Travessia das 3 Serras - Amarante / Vila Pouca de Aguiar - 01 de novembro de 2014

Depois de no passado fim de semana termos dado uma voltinha com o nosso amigo Nuno Ribeiro, e termos estado de volta ao nosso “quintal”, com as paragens que fizemos durante a manhã e as transpirações nas subidas, deu para apanhar um resfriado e consequente constipação…
Na terça feira o Zé diz-me que me preparasse que no sábado seguinte seria a “doer”. Bem, constipado…vamos ver se dará…
Perguntei-lhe qual seria a volta e entretanto enviou-me o track por email. Quando o abro vejo um total de 119 kms e, olhando para o mapa assusto-me como é óbvio…!
3 serras…hum… questionei-o se achava mesmo que era para fazer. Tentei desculpar-me com a constipação mas ele foi-me dizendo que se não fosse agora, tarde seria, porque “os dias estão a ficar pequenos”.
De imediato verifico que há possibilidade de encurtar a coisa em cerca de 20kms para não doer tanto e assim faço…risco daqui e dali, corta aqui e além…resultado conseguiu-se fazer a travessia com 100kms!
Na quinta feira a constipação começa a passar… é aí que decidimos, vamos a ela!
5.30h toca o despertador porque fiquei de estar em Vila Pouca às 6h/6.15h. Mais uma vez, tivemos que “recrutar” o nosso pai para nos “largar” em Amarante. Pelos nossos cálculos, se saíssemos de Amarante às 7.30h por volta das 17h/17.30h deveríamos estar a chegar a Vila Pouca, portanto, pensámos não levar as luzes para não pesar mais no camelbak, atendendo a que às 17.30h ainda é dia.
Chegámos a Amarante por volta das 7.30h mas só às 7.50h é que começámos a pedalar porque ainda fizemos a verificação do ar dos pneus, a lubrificação das bicicletas e as fotografias da praxe.

 

Após atravessarmos o rio Tâmega, a saída de Amarante fez-se pela N210 na cota dos 80m e logo começámos a subir em direção a Cepelos. Depois da rápida descida de Portela, começa a primeira adversidade do dia, a subida à serra da Aboboreira. O dia está fresco mas optámos por retirar os casacos e subir mais frescos porque a coisa prometia aquecer. Estávamos na cota dos 100/150m e dali e durante 10 kms teríamos de ir para os 950m, portanto, vamos subir...

Decidimos logo no início fazer a abordagem à subida com muito juízo e uma boa gestão de esforço. Depois de passar a localidade de S. Simão a subida para Aldeia Velha deu bem para aquecer, com pendentes bastante agradáveis acompanhadas de um nevoeiro bastante húmido. A subida teima em não acabar até que ao virar numa das curvas do caminho se avista um edifício agrícola…bem, estaríamos próximos da civilização.

Aproximava-se a pequena localidade de Aldeia Velha. Só vimos uma septuagenária que a sorrir, sabe-se lá porquê, (presumo que tivesse sido pela coloração facial avermelhada), nos respondeu aos bons dias que lhe demos.
Depois de passar a localidade olhei para o gráfico e verifico que estamos quase a chegar ao cimo da Aboboreira faltavam cerca de 1000m. Decidimos parar para comer antes de chegar ao cimo por causa do frio.

A descida da Aboboreira começou depois de passar pelo santuário da Srª da Guia. Para trás ficaram várias Antas e dolmens, em plena serra que foram difíceis de avistar pelo nevoeiro que teimava em nos acompanhar. A descida da Aboboreira fez-se através de um estradão largo e bastante rolante, até que depois de virar à direita começa a fechar-se com a vegetação descendo por umas rochas escavadas e molhadas pela água das chuvas que nos obrigou a desmontar e fazer parte da descida à mão…por momentos pensámos que já tínhamos vivido um “filme” parecido aquando da ida à Srª da Graça, mais de 2kms feitos com a bicicleta à mão por entre vegetação, não foi o caso….o Zé diz: Já vejo ali um caminho e assim foi, descemos muito rápido para a localidade de Broscas com todo o cuidado porque a areia que a chuva arrastara dos caminhos superiores para o trilho fazia resvalar as bicicletas a cada curva.

Atravessámos a N321 entrámos num dos trilhos mais belos do dia, subindo ligeiramente até ao alto de Quintela. Foi neste trilho que a dado momento demos por nós a abrir e fechar cancelas de lameiros para prosseguir o traço, com uns single tracks muito agradáveis nas proximidades da localidade de Aldeia (Loivos do Monte).

 

Depois de atravessar a N101 no Alto de Quintela seguimos por um estradão de terra batida até Mafómedes. Uma placa indicava-nos que a localidade ficava a 4500m.

A abordagem a Mofómedes fez-se pelo lado poente e a determinado momento parámos porque por um instante, o nevoeiro deu-nos algumas tréguas e conseguimos avistar a aldeia, o Marão e o “corte” do trilho que teríamos de seguir até bem lá ao cimo…e que “corte”…!

Sabíamos que desde ali e até ao Alto do Marão não conseguiríamos abastecer-nos de água, portanto procurámos um local onde o pudéssemos fazer. Pedimos a uns habitantes que estavam por ali no exterior de uma das últimas habitações à saída da aldeia que nos deixassem encher os bidons e prontamente acederam. Em Mafómedes parámos cerca de 15 a 20 minutos porque despertou-lhes atenção saber para onde íamos. Uma pergunta, diz o senhor: “Vão só até às antenas do Marão, certo?” Respondemos-lhe que tencionávamos chegar a Vila Pouca de Aguiar e que tínhamos começado em Amarante… Um outro diz: “Vão ter sorte que andou aí a niveladora a compor os caminhos a semana passada porque vai passar por aqui o rally”… Pensámos; se calhar é pior…caminhos menos batidos e mais força para tração…vamos ver.

 

Depois lá fomos devagarinho e no início da subida a coisa começou a complicar-se….muita pedra miúda de xisto solta, até que passado uns 2 kms a coisa melhorou. A meio da subida um pastor deitado no berma do caminho descansava enquanto o seu rebanho de cabras saltava as rochas da berma e vegetação quando nos avistou…ele, impávido e sereno, admirado, esboçou um sorriso ao passarmos e disse-nos: “Aqui puxa…o que vale é que está fresco…” e estava de certeza mas para nós não, o motor ia bem quentinho.

Uns metros acima parámos pela primeira vez para apreciar a paisagem e a grandiosidade do Marão.

 

 

Pelo que tinha traçado sabia que dali às antenas seriam +/- 4 kms…está quase. A determinado momento o risco manda-nos virar abruptamente à direita monte acima, (é o que faz por vezes traçar as coisas sentado no sofá…) sabia que, para evitar 5 kms por ali poderia seria mais confortável. Azar…aquilo era um corta-fogo que mais parecia um rio sem água, só pedra e pendentes de 30 %. O Zé começa logo a resmungar porque eu é que tracei aquilo…não disse nada mas sabia que aquele traço tinha aproximadamente 1 km. Não se conseguia andar mais que 50 m sem parar e descansar os rins, demorámos 20 minutos a fazer aqueles 1000m…! A determinado momento, ele pergunta-me quanto falta para chegar ao cimo daquele calvário…eu vi e faltavam 750m. Ele esperava que lhe desse boas notícias e diz-me: “Não me digas que falta pouco para me animar…diz a verdade!” Cabeça virada para o chão e mais uns metros a batalhar contra a pedra…!

Para quem já trazia 40kms e praticamente 2300m de desnível acumulado confesso que foi um momento difícil…pensa-se que estamos a meio da coisa…Quando chegámos ao cimo desse trilho, apanhámos o estradão para as antenas do Marão. O nevoeiro era denso e o vento soprava, num ápice deixei de o ver…estava na reserva e com fome, tive de parar e comer alguma coisa rápida, uma polpa de fruta para aguentar o último kms até às antenas. Entretanto ouço-o a chamar por mim no meio do nevoeiro…não lhe respondi porque a prioridade era comer e aliviar as costas das dores da subida do corta fogo, até que chego junto dele e já o vejo com o casaco vestido…eu nem o vesti…! Confesso que não tinha frio mas tinha de o fazer porque começava a resfriar. Na abordagem às antenas ele voltou-se a ir embora e só o vejo novamente quando chego ao alto…aí tinha mesmo de gerir o esforço…eu de jersey de manga curta e ele a dizer que estava muito frio… eu queria comer porque estava com fome e na bicicleta, fome é coisa que não se pode ter… sabia que podia por em causa o continuar do passeio… pousei a bicicleta, fiz uns alongamentos e tentei recuperar rápido abrigando-me atrás de uma rocha porque estava frio e vento, vesti o casaco e comi que nem um tolo…!

Desde aí até passar o IP4 no Alto de Espinho foi um “ar que lhe deu”…vinha bem, tinha comido…ele seguia atrás. Quando chegámos ao alto de Espinho fomos encher os bidons e o reservatório com 2 garrafas de água que tínhamos deixado quando ali passámos de carro de manhã cedinho (Calculámos tudo ao pormenor em relação aos abastecimentos líquidos).

Aí estavam umas placas e fitas sinalizadoras, colocadas recentemente para um passeio BTT que seguiam para os lados do Alvão. Quando olho para o GPS o mesmo manda-nos subir…o destino seria o parque eólico de Pena Suar…se a subida do corta fogo para o Marão era má, aquele km era do piorio…! Pedras maiores e em maior quantidade… aí o Zé manda-me despachar e diz: “Não quiseste trazer as luzes…?” Estávamos a ver a coisa a andar para trás…entretanto toca o meu telemóvel, percebo pelo toqu que é a família, resolvo não atender porque o momento era de concentração, retribuiria logo que possível…já tínhamos perdido algum tempo em duas ou três zonas que eram impossíveis de andar em cima da bicicleta agora era outra…chegados ao cimo retribuo uma ou outra chamada que me fizeram aquando da subida, continuámos até ao Alto do Velão onde atravessámos a N304.

O terreno agora era mais confortável, dava mais para rolar se bem que subia ligeiramente, até que, o sol aparece em força já nas proximidades da barragem do Alvão.

A partir daí seguimos o trajeto da ida à Srª da Graça via parque natural do Alvão…terreno conhecido e, na chegada ao alto do Alvão com 72 kms e 3180 de desnível acumulado começamos a ver as “nossas terras”.

O alento é outro e aí conseguem-se buscar forças onde elas não existem, já nada dói porque temos praticamente a aventura ultrapassada, se bem que anda nos faltavam mais de 25kms.

A descida ao vale decidimos fazê-la para a localidade de Souto e desde aí atravessar a N2 para a ciclovia, seguindo em direção a Vila Pouca. Ao chegar à N2 o GPS passa para modo noite…quer dizer que foi esse o momento em que se pôs o sol... Eram 17.30h mais ou menos…Cerca das 18h chegámos a Vila Pouca com um misto de alegria, emoção e dor, pelos 100 kms percorridos, pelos 3420m de desnível acumulado, pelas adversidades encontradas durante as 8h de pedalada e por termos conseguido fazer a aventura/desafio mais difícil a que nos propusemos desde que andamos nestas lides…por vós e para todos vós que nos costumais acompanhar semanalmente nestes relatos, deixamos um forte abraço e esta crónica de uma épica aventura…
Saudações desportivas e amigas!

 

 

 

 

*Aconselha-se o visionamento do vídeo em HD

 

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